Prima Facie expõe as falhas da justiça e emociona com a atuação de Débora Falabella
- Lia Garcia
- 21 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de abr.
Espetáculo potente denuncia a revitimização de mulheres vítimas de violência

Em Prima Facie, monólogo da dramaturga australiana Suzie Miller, a atriz Débora Falabella entrega uma atuação arrebatadora e precisa, que transforma o palco em tribunal, confessionário e campo de batalha emocional. Sozinha em cena, ela interpreta Tessa, uma advogada criminalista bem-sucedida, especializada na defesa de homens acusados de crimes sexuais. Acostumada a confiar na lógica da lei e na força das evidências, Tessa vê seu mundo desmoronar no dia em que ela mesma se torna vítima de estupro.
À primeira vista (ou prima facie), a verdade parece clara. Mas a peça revela o quanto o sistema prefere duvidar quando a vítima é mulher. E é exatamente essa desconstrução que move a narrativa. Falabella carrega o peso de uma narrativa densa e dolorosa com uma entrega cênica que impressiona pela fluidez e intensidade. Ela alterna entre a arrogância confiante de uma profissional em ascensão e a vulnerabilidade crua de uma mulher silenciada pelo próprio sistema que jurou defender. Sua performance vai além do texto: é no corpo, no olhar, na respiração contida, que vemos o colapso de uma estrutura construída para não acreditar nas mulheres.
Em um país onde, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada a cada dez minutos, a crítica à estrutura de justiça ganha contornos ainda mais urgentes. Mundialmente, os números não são menos alarmantes: estima-se que uma em cada três mulheres no mundo já sofreu violência sexual ou física ("olhe para a sua direita, agora olhe para a sua esquerda", diria Tessa), de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O que a obra escancara — em cena e fora dela — é o paradoxo de um sistema que exige da vítima a prova irrefutável de um crime que quase nunca deixa marcas "visíveis", enquanto sustenta o benefício da dúvida para os acusados. É a justiça transformada em um campo de revitimização.
A trilha sonora sutil e atmosférica, emula o compasso do pensamento de Tessa — ora racional, ora caótico — e sustenta a narrativa sem invadir a emoção. Já o figurino é direto e simbólico: a roupa formal, inicialmente uma armadura de poder e status, aos poucos se torna um peso que denuncia a fragilidade das estruturas em que a protagonista acreditava. A escolha dialoga com outras produções internacionais do texto, desde a montagem britânica com Jodie Comer a chinesa com Xin Zhilei, criando um elo visual entre essas mulheres e suas lutas por justiça — diferentes culturas, mesma dor universal.
Um dos aspectos mais notáveis da versão brasileira é a ação educativa que a acompanha. Ao final da peça, o público pode acessar por meio de um QR Code a Cartilha Prima Facie, um material informativo que aprofunda os debates sobre violência de gênero, revitimização no sistema judiciário e os caminhos possíveis de acolhimento. A iniciativa reforça o papel social do teatro como espaço de escuta, reflexão e transformação.
Prima Facie não é um espetáculo fácil. É um soco no estômago, que convida à reflexão e ao desconforto. Mas é, acima de tudo, necessário. Um grito em cena contra a culpabilização das vítimas e o silêncio institucionalizado.
Prima Facie
Com Débora Falabella
Texto: Suzie Miller | Direção: Yara de Novae
Até 08 de junho de 2025
Sextas e sábados às 20h; domingos às 17h
Teatro Faap – Rua Alagoas, 903, Higienópolis
Ingressos: R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia-entrada), no site e bilheteria do teatro
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 100 minutos
Comentarios